30.11.11

neither "nigger" nor "ingun", o politicamente correcto censura Mark Twain

Não sabia que Huckleberry Finn é o quarto livro mais banido nas listas recomendadas nas escolas americanas nem que isso se devia a que Mark Twain pôs na boca de brancos palavras racistas para definir os negros e os índios. Ou seja, usou as palavras deles para definir o que na época eles diziam. Assim "nigger" aparece mais de 200 vezes no livro e isso é considerado ofensivo por muitos leitores.
Um especialista no autor decidiu propor uma nova edição do livro que obedece às regras do mercado. Se o livro não é aceite porque a palavra choca, isso é injusto para o livro e o seu conceito e lhe estraga o mercado, então substitua-se a palavra ofensiva por uma palavra aceite e preto ("nigger") torna-se escravo ("slave"). Adicionalmente, em  Tom Sawyer, o vilão deixa de ser "ingun Joe" para passar a ser "indian Joe". Assim os professores não têm que explicar aos alunos o contexto em que a palavra aparece, os pais não se mobilizam para banir o livro e este vende mais.
Este tipo de gesto vem numa linha de defesa do anacronismo e de reecrita da história que tem várias manifestações, por exemplo, nas leis de memória que oficializam o passado ou nos pedidos de perdão por pecados multisseculares como se os povos de hoje fossem colectivamente responsáveis pelos gestos dos antepassados de alguns - muitos ou poucos - dos seus membros.
Tanta vontade de ser correcto acabar por ser um acto de empobrecimento e destruição da cultura. Como Kenneth C. Davis disse sobre este polémica, de modo, para mim, definitivo:

As someone who cares deeply about American History and Literature, I would like to add my voice to those who find this expurgated version of Huckleberry Finn a shameful act of cultural destruction in the guise of political correctness. While it falls far short of the Taliban blowing up ancient Buddhas, it is a lot worse than draping the bare breasts of two female "Liberty" statues at the Justice Dept. during John Ashcroft's days as Attorney General. 

O blogue The Opinion Zone abriu uma sondagem sobre o assunto. Eu já fui lá votar.

(Este texto foi escrito aqui originalmente a 8 de Janeiro de 2011. Mas achei que fazia sentido republicá-lo hoje, aniversário do nascimento de Mark Twain, já que aborda o tema do respeito pela memória e a integridade da sua obra)

2 comentários:

Manuel Vilarinho Pires disse...

Tembém fui. E os resultados são animadores: ao fim de 194 votos, 90% dos votantes é pela preservação do conteúdo.
Infelizmente, há boas probabilidades de a amostra não ser representativa, a começar por não ser independente (estatisticamente).
Mas era interessante estudar se a alteração obedece mesmo às "regras de mercado", ou seja, se é apoiada por uma maioria de consumidores, ou não, e é apenas um acto de censura inconsequente.

OCTÁVIO DOS SANTOS disse...

Suponho que sabes, Paulo, e que concordas, que o «politicamente (e culturalmente) correcto» é uma bandeira da esquerda... norte-americana e não só.