30.3.13

Se o Estado não é uma empresa, porque se fala de insolvência?

Em fim-de-semana, paremos para pensar um pouco sobre a razão de ser e os limites da analogia entre Estado e empresas a propósito da ideia de insolvência:

 Creditor countries calling the tune by which debtor countries dance is not a new invention. But using the language of insolvency to do so is new. So when and why did it happen? The single European currency project, in depriving member states of the ability to issue their own currency, has created the conditions for something close to national insolvency when economies slump. With high debt-to-national output ratios, current account deficits, fiscal deficits, and, putting it mildly, shaky banking systems, the debtor countries of Europe look very much like insolvent firms to the markets. Their sovereign power to issue currency is gone, meaning only painful deflation through the wage channels are possible. Leaving the currency union is very, very costly. The solution is national austerity. Indeed, in some cases, like Cyprus, Ireland, and Italy, the banking systems are so big relative to the rest of the economy as to make the sovereign itself almost vestigial.
(Stephen Kinsella, no Blogue da Harvard Business Review)

28.3.13

Má notícia sobre eficiência da nossa despesa educativa




Este post de Eric Charbonnier e Etienne Albiser contém uma má notícia sobre a eficiência da nossa despesa educativa. Mostra que o nosso custo de professor por estudante, em valores absolutos, é o quarto mais alto da OCDE, a seguir ao Luxemburgo, à Bélgica, à Áustria e à Espanha e à frente da Dinamarca, da Alemanha e da Finlândia.
O custo dos professores por estudante é medido pela combinação do salário, da dimensão das turmas, do número de horas leccionadas e do número de horas de aulas dos estudantes.
Numa das quatro variáveis há algo que podia estar melhor e a questão-chave pode nem ser o salário. 

27.3.13

O meu balanço do regresso

O meu balanço da entrevista de José Sócrates: killing instinct, excesso de palavras estudadas, falta de selectividade nos ataques, algumas pistas.

Sócrates na RTP: metamorfose ou regresso?

José Sócrates, o comentador, regressa com uma entrevista ao ex-Primeiro-Ministro. Quem definiu este perfil deve ter ganho a liderança das audiências hoje, mas também contribuiu para a confusão sobre o estatuto do regressado.
Dizem que o comentador José Sócrates não vai ser remunerado. Acho mal. O comentário político é um trabalho. Tem utilidade social e valor económico. Como não há almoços grátis e José Sócrates não vai comunicar no âmbito de uma responsabilidade inerente a funções públicas ou de uma causa que defenda, mas prestar um serviço de análise, ele e a RTP deixam ficar implícito que vai ser pago em promoção da sua marca pessoal, a qual, em Portugal, tem essencialmente valor político.
Tenho curiosidade sobre o que o ex-Primeiro-Ministro tem a dizer sobre o actual estado do país e sobre o que o ex-Secretário-Geral do PS tem a dizer sobre a dinâmica do seu partido sob a liderança do seu sucessor. Mas, recordo uma resposta de António Costa na Quadratura do Círculo quando o pressionavam a falar sobre a sua então protocandidatura a Secretário-Geral do PS. Disse algo como 'não sou comentador para me comentar a mim mesmo'. 
Terá Sócrates a mesma sageza então demonstrada por Costa e deixarão as circunstâncias que a pratique? O setting montado pela RTP, o alarido das petições online e a enormidade do envolvimento do parlamento na questão por mão do CDS apontam em sentido contrário. Se Sócrates quiser surpreender, comentar-se-à a si mesmo hoje, mas não nos comentários posteriores, e vincá-lo-á logo a abrir a entrevista. Se não o fizer, independentemente do sucesso político e pessoal que venha a ter ser inferior ou superior ao que teve com os debates com Santana Lopes, presta um mau serviço à definição da fronteira conceptual entre política activa e comentário político. Uma fronteira tão necessária,  quanto está completamente esbatida no país dos ex-lideres que usam a televisão como estaleiro para os sonhos de regresso ao mar alto.
Se hoje houver regresso e não metamorfose, os que gostam dos combates políticos ganham um tema de conversa, mas a relação entre os media e a política, não perdendo grande coisa, não ganha nada.

26.3.13

A propósito de um artigo sobre Hitler na escola e Sócrates na RTP, de Esther Muznick

Quando comecei a ver no twitter referências a LSD e cogumelos mágicos a propósito de Esther Mucznik, fui à procura da causa. O que mais me impressionou é que vi no seu artigo apenas autenticidade, ignorância e mesquinhez.
Esther é autêntica na denúncia dos fantasmas que nos inundam o espírito sempre que vemos a língua alemã associada a sobrevivência, obediência e imagens de Hitler.  Por muito que as alunas daquele 12º C fossem apenas iconoclastas e pretendessem apenas  fazer um apelo atrevido e irreverente à frequência do curso de alemão, reagiremos assim à invocação do demónio nazi. Hitler e o nazismo não são relativizáveis e não é difícil ver o seu ponto.
Mas Esther é ignorante no que diz da escola democrática. Não pode não saber que se aprende hoje mais história contemporânea até ao 9º ano que quando ela foi estudante até à licenciatura. Não pode acusar o pós-25 de Abril de subalternização da formação humanística. Aliás, o argumento costuma ser exactamente o inverso, a coberto da denúncia da famosa "licealização" e, quanto a chamar ignorantes e de baixa cultura aos professores... bom, nunca Portugal teve um corpo de professores tão qualificado como hoje, por muito que não se goste deles.
Pior, contudo, é a mesquinhez que revela a propósito de Sócrates, no julgamento sumário e tentativa de banimento do espaço público. O que Esther tem a dizer sobre Sócrates é veneno puro e em versão rastejante.
Para ela, Sócrates não merece voltar a falar no espaço público, as portas da RTP não devem abrir-se-lhe e quem defenda o contrário tem o mesmo sentido da tolerância dos que construíram a estrada para Auschwitz. Ainda que reconheça que é exagerada na comparação, não lhe resiste.
Francamente, se jovens do 12º ano colarem uma fotografia de Hitler num anúncio de um curso de alemão pode ser reprovável, que uma intelectual madura faça esta associação é do domínio do abjecto. Esther devia saber que a intolerância nasce da demonização do outro e que a suspensão da humanidade do outro conduz sempre por maus caminhos.
Para embrulhar a sua recusa em raciocinar sobre José Sócrates, atribui-lhe sumariamente toda a culpa pelo Memorando de Entendimento (nunca houve votação do PEC IV, pois não?) e falsifica a história ao atribuir-lhe a fase de que as dívidas não são para pagar, quando bem sabe que - como ele disse -, nenhum país do mundo pagou nunca toda a sua dívida externa (perdão, Ceausescu pagou, matando o seu povo de fome, antes de morrer às mãos dos golpistas).

Esther Muznick acha mal que a RTP contrate Sócrates. É uma opinião, Mas se considera o convite imoral, teria que ter pelo menos um argumento para que assim seja. O único pecado que atribui a Sócrates é ter sido Primeiro-Ministro, o que nada tem de imoral. Quem não o percebe, parafraseando-a, não "entende nada nem de ética, nem de princípios, e muito menos de liberdade".

E porque me dou ao trabalho de escrever isto sobre tão alucinado texto de Esther Muznick? Porque me irrita o perigoso clima de que se alimenta e que alimenta, me preocupa o resvalar da divergência para o monopólio da moralidade, que sempre foi pasto para as derivas autoritárias. Desculpem, mas não aprendi a tolerância que Esther denuncia, que esconde indiferença, por muito que concorde que a indiferença a este texto da cronista era democraticamente salutar.



Lições de direitos sociais - uma década de direito à água na África do Sul

Não é preciso ser-se um país rico para valorizar e fazer respeitar direitos fundamentais, mesmo tratando-se de direito sociais, que implicam necessariamente despesa pública.
A África do Sul dá, no direito à água, lições. Há mais de uma década que, em cooperação entre o governo central e as autarquias locais, reconhece o direito de cada família a 6000 litros de água potável por mês, fornecida gratuitamente.
Se o acesso à água é um direito humano, como tal reconhecido pela ONU, perguntemo-nos, poucos dias depois do Dia Mundial da Água, que não acompanhei, absorvido pelo trabalho quotidiano,  se é correcto que seja negado em absoluto todo e qualquer fornecimento gratuito, pelo menos a quem se encontre em situação de pobreza absoluta.

23.3.13

A semana turca

Na mesma semana, o governo turco consegue do seu prisioneiro e líder do PKK um apelo aos seus guerrilheiros para um cessar-fogo e uma retirada para fora das fronteiras turcas, do primeiro-ministro de Israel um pedido de desculpas pelos acontecimentos da flotilha ao largo de Gaza e do Presidente dos EUA um esforço diplomático que conduzirá ao reatamento das relações diplomáticas com Israel.
Na corrida pela influência no futuro do Médio Oriente que a Primavera árabe abriu (ou expôs), a Turquia teve uma semana plena de sucesso, que não deve ter agradado nem ao Egipto, nem ao Irão, nem às monarquias do golfo. A Turquia parece estar de volta como principal aliado dos EUA na região. Vejamos se a Europa não sofre de um dos seus ataques endémicos de cegueira estratégica face a estes desenvolvimentos.

20.3.13

Os 0 votos no Parlamento cipriota

O acordo entre a troika e o governo não teve um único voto a favor no Parlamento cipriota. A dimensão desta derrota do Presidente por cuja eleição a troika esperou meses para intervir no país, diz bem do desprezo que o método de negociação que se segue nestes processos tem por regras básicas da democracia. Quem imaginou esta solução não achou necessário agir para reunir o apoio dos parlamentares? Não tratou sequer de ter um só aliado para defender o que assinou?
É evidente que foi dado por adquirido que os cipriotas não teriam alternativa. Mas ignorou-se que é um país habituado a ser um problema. Trata-se, além do mais, de um país que, pelos seus recursos naturais, pela sua localização, pela persistência do conflito que divide a ilha em que se situa, é desestabilizável, o que comporta riscos para toda a União. Os últimos dias demonstram que não é difícil consegui-lo. 
A fanfarronice da Gazprom deixa claro que a Rússia quer manter influência neste parceiro do Euro. E a zona Euro quer manter influência no país? Dá a sensação que ninguém na união monetária que partilhamos com o Chipre pensou nisso enquanto misturava a tentação de vampirizar os capitais russos, com toda a probabilidade duvidosos, com a sobranceria face a um povo inteiro e o desprezo pelos representantes eleitos do povo cipriota.


18.3.13

Futebolês conceptual - a triangulação da informação

Estes dias estive a trabalhar num texto que devia, entre muitas outras coisas, explicar a estratégia de "triangulação da informação" que pretendia adoptar. Sim, para atingir os objectivos pretendidos, seria necessário, como é frequente em ciências sociais, cruzar informação de diversas fontes, recolhida e analisada segundo diferentes métodos de pesquisa. Mas porquê triangulação e não quadrangulação ou pentangulação? Para além das sonoridades estranhas das últimas versões, apenas encontrei no espírito a explicação de que se tratasse de alguma forma de imperialismo do futebolês conceptual, assim como se o nosso Rui Tovar de antigamente se tivesse apoderado do vocabulário das ciências sociais. (E tentei apresentar a dita triangulação o melhor que soube).

16.3.13

O presente envenenado do BE a João Semedo

A candidatura de João Semedo à Câmara de Lisboa revela quanto o Bloco desvaloriza as autarquias, pretendendo apenas eventuais efeitos partidários positivos da visibilidade em campanha eleitoral e não patrocinando reais candidaturas autárquicas, seja a Presidente, seja a vereador.
Mas revela também o estado interno do Bloco. Depois de Fazenda, alguém quer agora fazer João Semedo passar por idêntico (ou maior?) desaire, numa candidatura artificial, em que o candidato estará sempre desconfortável na missão, porventura visando enfraquecer a sua co-liderança partidária.
Tenho pena que João Semedo não tenha tido força para declinar o convite. A disciplina partidária não implica submissão a todo o disparate que passe pela cabeça dos aparelhistas e não creio que a esquerda ganhe nada com a humilhação do co-líder formal do Bloco em Lisboa.
Os presentes envenenados não matam mas moem e não auguro que a fragilização de Semedo traga algo de bom para o desbloqueamento da esquerda em Portugal.
A UDP deve ter batido palmas a este gesto de Semedo e estar a preparar lágrimas de crocodilo para Setembro.

12.3.13

Turquia e Europa: sinais de um novo impulso na negociação da adesão

O processo de adesão da Turquia à União europeia está politicamente bloqueado há vários anos. A negociação faz-se por capítulos temáticos e mais de uma dúzia estão bloqueados por vetos de Estados-membros.
Se ninguém espera negociações rápidas, não é menos certo que, se não houver progressos, a própria ideia da ligação entre UE e Turquia pode ser posta em causa e há sinais de erosão da causa europeia na sociedade turca.
Mas também há novidades. O levantamento do veto francês à negociação do capítulo sobre política regional e coordenação dos instrumentos estruturais (capítulo 22) é um duplo sinal na direcção correcta. Trata-se de um capítulo importante para a política de coesão sem ser sensível nos aspectos politico-diplomáticos em jogo e sinaliza uma mudança de atitude francesa com a Presidência de Hollande. É muito pouco para se dizer que há um novo impulso na negociação, mas o suficiente para ser valorizado pela parte turca como sinal de progresso nas relações Turquia-UE.

1.3.13

Deficiência e desigualdade no acesso ao mercado de trabalho: o gap de emprego dos deficientes visuais em Portugal

Em Portugal, hoje, a escolarização é a via mais eficaz de superação da dificuldade de ingresso de pessoas com deficiência visual no mercado de trabalho e a reabilitação profissional de quem adquire deficiência visual na idade adulta é incapaz de combater a propensão para que adquirir uma deficiência seja um forte factor de saída do emprego.
Neste texto contribui-se para o estudo das dinâmicas de acesso das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho em Portugal, analisando os resultados de um questionário aos deficientes visuais associados e utentes da Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO). Os dados analisados sinalizam a existência de um gap significativo entre a população em idade activa inquirida e a população residente em idade activa.O género, a escolaridade, a idade de aquisição da deficiência visual, a categoria socioprofissional, a acumulação de deficiências, a composição do agregado doméstico, a rede de relações sociais, a causa de deficiência e a idade são preditores estatisticamente significativos da probabilidade dos inquiridos estarem empregados.
A consideração do impacto desses preditores é importante quer para compreender as dinâmicas de agravamento ou redução de desigualdades quer para orientar as políticas que visem reduzi-las.

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